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Jogos de azar causam danos a 450 milhões de adultos no mundo

O relatório pede aos governos que assumam o compromisso de financiar estudos e fornecer dados.

Os danos dos jogos de azar são mais substanciais e abrangentes do que se imaginava, mostra o relatório de uma comissão de especialistas reunidos pela revista científica The Lancet Public Health. Eles buscaram estimativas globais do impacto do jogo de azar na saúde pública e estimaram que aproximadamente 448,7 milhões de adultos em todo o mundo experimentam algum risco (any risk gambling, em inglês).

Pessoas nessa categoria enfrentam pelo menos um sintoma comportamental ou consequência pessoal, social ou de saúde adversa do jogo de azar, sem necessariamente completar os requisitos diagnósticos para transtorno do jogo. Desses, 80 milhões possuem transtorno do jogo, reconhecido em manuais de psiquiatria e descrito como um padrão de apostas repetidas e que continuam apesar de criar múltiplos problemas em várias áreas da vida.

De acordo com os pesquisadores, esses danos incluem problemas de saúde física e mental, ruptura de relacionamentos, aumento do risco de suicídio e violência doméstica – tanto de ser o agressor, quanto de ser a vítima –, aumento da criminalidade, perda de emprego e prejuízos financeiros.

E eles não se restringem ao apostador em si. Pelo menos seis outras pessoas, em média, são negativamente afetadas por um indivíduo com transtorno do jogo.

E os pesquisadores destacam que essas estimativas são conservadoras, já que muitos países não têm sequer dados sobre o assunto. É por isso que o relatório pede aos governos, que cada vez mais têm legalizado os jogos de azar, que assumam o compromisso de financiar estudos e fornecer dados.

“Um sistema de monitoramento sofisticado teria métricas integradas de diversas fontes. Por exemplo, teríamos dados de sistemas de saúde sobre o número de pessoas que procuram apoio por danos relacionados ao jogo; dados rotineiros sobre o quanto o jogo está implicado em suicídios; dados do sistema de Justiça sobre se o jogo é um fator entre aqueles envolvidos no sistema de Justiça criminal”, afirma Heather Wardle, professora da Universidade de Glasgow, na Escócia, e uma das autoras do relatório da Lancet, publicado em 24 de outubro. “Também seria necessário um mecanismo para acessar dados da indústria de forma independente, sem que ela tenha influência sobre quais pesquisas são realizadas”, disse.

“A necessidade de mais pesquisas pode ser explorada pela indústria para fins táticos, principalmente para atrasar a ação. Os atores da saúde pública precisam aprimorar o próprio manual para combater essa tática”, alerta Antonio Carlos Cruz Freire, professor do departamento de Neurociências e Saúde Mental da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Saúde pública

Freire lembra ainda os princípios de precaução que devem reger a saúde pública. “Tomar medidas preventivas diante da incerteza; transferir o ônus da prova para os proponentes de uma atividade; explorar uma ampla gama de alternativas a ações possivelmente prejudiciais; e aumentar a participação pública na tomada de decisões.”

Para o psiquiatra Rodrigo Machado, colaborador do Programa de Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), o relatório é “um grande sinalizador de alerta” ao mostrar que os jogos de azar são um problema global e a maneira como têm sido enfrentados é insuficiente.

Machado defende que as políticas de prevenção têm de focar toda a população. “O que o relatório fala é que toda a população do globo está suscetível e vulnerável (a danos do jogo de azar).” Nesse sentido, a introdução do conceito de any risk gambling passa uma mensagem: danos não se restringem a pessoas com transtorno do jogo e estão presentes ao longo de todo o espectro de consumo. Isso coloca em xeque as legislações pelo mundo, que, conforme mostrou o Estadão, têm um foco excessivamente individual, baseado na narrativa do “jogo responsável”.

O relatório também aponta que olhar para estimativas populacionais do transtorno de jogo pode mascarar a dimensão do problema. Os estudiosos propõem um olhar mais específico para os diferentes tipos de jogo de azar e como eles afetam seus consumidores. Por essa análise, 15,8% dos adultos e 26,4% dos adolescentes que estiveram envolvidos em atividades de cassino online, como o Jogo do Tigrinho, no ano passado, experienciaram transtorno do jogo. Para as bets ou apostas esportivas, essas taxas são de 8,9% dos adultos e 16,3% dos adolescentes.

Foto: Bruno Peres/Agência Brasil

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