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Em depoimento à Justiça Militar do RS, torcedor diz que foi torturado por PMs após partida

Rai Duarte e outros três torcedores depuseram em Porto Alegre. MP denunciou 17 policiais por tortura. Caso ocorreu em maio de 2022, após jogo entre São José e Brasil de Pelotas.

O torcedor do Brasil de Pelotas Rai Duarte, que ficou em coma após uma abordagem da Brigada Militar (BM) em maio de 2022, prestou depoimento à Justiça Militar nesta segunda-feira (24) em Porto Alegre. A audiência faz parte do processo em que 17 policiais respondem por tortura contra 12 torcedores depois de uma partida do Brasil contra o São José, no estádio Passo D’Areia, na capital.

Rai Duarte contou como foi seu depoimento. Ele relembrou que foi detido sob a alegação de que teria participado de uma briga atrás do gol, mas que, na verdade, estaria próximo de uma das laterais do campo.

“Eu relatei o que aconteceu naquele dia 1º de maio de 2022, quando a gente foi torturado. Acabou a partida de futebol, eu me desloquei até o ônibus e, para a minha surpresa, foram três policiais me deter. Eles me pegaram lá dentro do ônibus e me levaram para o estádio”, disse.

Para Rai, recontar no tribunal o que viveu naquela ocasião é difícil. O torcedor chegou a ficar 116 dias internado em razão das lesões sofridas – parte do período em coma induzido em uma UTI.

“A gente fica bem triste. Isso foi um fato que chocou a nossa família, nossos amigos, a comunidade e o estado inteiro. A gente sai para ver um jogo de futebol e jamais imagina que vai parar na UTI de um hospital”, relatou.

O torcedor do Brasil de Pelotas disse acreditar na condenação dos policiais envolvidos no caso.

“A minha esperança é que a justiça seja feita e que o pessoal que cometeu essa barbárie seja severamente punido. A gente confia na decisão da Justiça”, falou Rai.

O advogado de Rai, Rafael Martinelli, afirma que o depoimento do torcedor demonstrou informações que vão servir como prova no processo.

“O tribunal vem sendo muito respeitoso com as vítimas. O Rai detalhou como ocorreu essa dinâmica das agressões. A maior dúvida do Rai é por que eles [os PMs] fizeram um ato de tamanha crueldade contra ele”, diz o advogado.

Além de Rai, a Justiça Militar ouviu outros três torcedores: José Renato Domingues, Samuel Ugoski e Elison Fernandes. Eles relataram que foram agredidos por policiais militares em um banheiro do estádio, levados a um hospital e depois a delegacias da capital.

“Quando aqueles que devem garantir nossa segurança praticam crimes dessa gravidade, ocorre uma inversão de valores que atinge as vítimas de uma forma absurda e, ao mesmo tempo, abala a confiança da sociedade nas instituições, e isso é péssimo para o estado democrático de direito”, afirmou a promotora Janine Borges Soares.

As audiências do caso começaram em abril, com os depoimentos de vítimas das agressões. A partir de agosto, mais uma vítima e outras testemunhas devem ser ouvidas pela Justiça Militar. Os PMs acusados pelo Ministério Público (MP) serão ouvidos somente no final da instrução, ainda sem data definida.

Os 17 PMs respondem por tortura qualificada contra Rai e tortura contra 11 torcedores. Um dos policiais também foi denunciado por falsificação de documento, enquanto outro agente por injúria e ameaça, além dos demais crimes.

Relembre o caso

O episódio ocorreu em 1º de maio de 2022, após jogo entre Brasil de Pelotas e São José, válido pela Série C do Campeonato Brasileiro, no Estádio Passo D’Areia, sede do clube de Porto Alegre.

Por volta das 19h, agentes do 11º BPM ingressaram no local para controlar uma briga. Após a confusão, quando torcedores do time visitante retornavam para a arquibancada, 11 deles foram encurralados pelos policiais, segundo a denúncia.

Rai Duarte, que não tinha participado do conflito, estava em um ônibus para voltar a Pelotas, quando foi retirado do veículo e preso por três policiais por motivo não esclarecido, conforme os promotores. Algemado, ele foi levado junto aos demais torcedores, sendo agredido em um banheiro.

O MP aponta que Rai sofreu lesões de natureza grave, como hemorragia intra-abdominal, ruptura de artéria cólica média, hematoma em mesocólon transverso, isquemia de cólon transverso, choque hemorrágico e escoriação no segundo dedo da mão esquerda.

De acordo com a denúncia, Rai teria questionado os policiais por não terem indicado o motivo da prisão. O torcedor, que foi policial militar temporário, também teria afirmado reconhecer os procedimentos, questionando a ação dos agressores.

Os PMs teriam conferido a identidade de Rai e, constatando que ele não seria um militar da ativa, passaram a agredir o torcedor com tapas, socos e chutes. Além disso, teriam proferido ofensas ao homem.

A acusação ainda afirma que os 12 torcedores sofreram agressões por mais de 40 minutos, sempre algemados, deitados ou sentados e não oferecendo resistência ou risco aos policiais.

O MP sustenta que os 17 policiais militares diziam estar acostumados a agredir torcedores do Brasil sempre que eles estivessem em Porto Alegre. Os agressores também teriam ameaçado “enxertar” drogas para incriminar os torcedores. Outra ameaça apurada foi que, caso as agressões fossem denunciadas, haveria represália.

Rai foi levado para um hospital. Imagens mostram o torcedor chegando ao local caminhando. Depois de um tempo dentro de uma sala, no entanto, ele é transportado em uma cadeira de rodas, já desacordado, para outro local. Segundo Rai, ao entrar no espaço, ele já estava com uma hemorragia interna, não suportou as dores e acabou desmaiando.

No inquérito policial militar feito pela BM, 10 PMs haviam sido indiciados por tortura e lesão corporal de natureza grave, enquanto outro agente foi responsabilizado por tortura e tentativa de homicídio. Os demais envolvidos teriam participado com nível menor de comprometimento, segundo a corporação.

Fonte: G1/RS

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