Famílias buscam a justiça para realizarem o sonho da casa própria em Carazinho
Residencial que começou a ser comercializado em 2019 não foi entregue aos moradores que agora cobram pelo término da obra. Mais de 70 ações tramitam contra a incorporadora e a Caixa Econômica Federal. Empresa tem até o dia 7 de novembro para apresentar novo plano para terminar o empreendimento
Famílias de Carazinho que sonham em adquirir a casa própria tiveram de acionar a Justiça para conseguir realizar o sonho. Elas compraram imóveis do Residencial Andaluz, que começou a ser edificado no bairro Hípica em 2019. No entanto, os trabalhos foram paralisados e a entrega das chaves, previstas para o ano passado ainda não aconteceu. No domingo (9), um protesto dos mutuários ocorreu em frente ao empreendimento. Cartazes foram colocados nos tapumes que protegem a obra.
Uma das pessoas que fecharam negócio com a Incorporadora Tectus, responsável pelo residencial, enviou um extenso relato à redação do Portal Carazinho News. A jovem prefere não se identificar, mas contou que ela e o namorado pretendiam aguardar a conclusão da casa que compraram e se mudar logo após ao casamento. Os planos foram adiados e eles seguem morando com os pais.
Ela recorda que quando foi lançado, o Residencial Andaluz era anunciado como “o maior complexo habitacional do Planalto Médio Gaúcho”, com entrada facilitada e financiado pelo Programa Minha Casa Minha Vida (hoje Casa Verde Amarela). “Um empreendimento todo pensado e planejado para dar o máximo de conforto para os clientes e uma infraestrutura externa incrível com quadras de futebol, de areia, quiosques, praças de chimarrão, ciclovia, academia ao ar livre, espaço pet, horta comunitária entre todos os atrativos que era apresentado, e a propaganda ressaltava ainda que um dos seus diferencias era a rapidez na entrega por ser uma tecnologia inovadora de construção civil”, menciona.
Segundo a ela, as obras começaram e houve muita divulgação a respeito. A partir do início, em 2019, o contrato previa que as moradias seriam entregues em 2 anos, ou seja, as chaves estariam com os moradores em novembro de 2021. Quase um ano depois, mais de cem ações individuais foram ajuizadas na Justiça Federal de Carazinho. “Começamos a observar que não se tinha mais atividade no empreendimento. Poucos trabalhadores no local e muitas ações na justiça trabalhista estavam acontecendo. Começamos a nos ‘antenar’ que não conseguiriam entregar no prazo combinado. No contrato há uma cláusula que prevê mais 180 dias (além dos 24 meses originais), para a conclusão, o que significa que eles teriam até maio de 2022 para entregar. Aguardamos e nada foi feito. Hoje sabemos que a obra estava com 2 a 3 trabalhadores ‘fazendo de conta’ que estavam trabalhando, desde setembro de 2021”, conta a moça.
Também conforme ela, os mutuários estão pagando as prestações do financiamento e ainda um seguro de obra, para que o engenheiro da Caixa Econômica Federal vistorie o trabalho para verificar a evolução. A partir desta vistoria, o banco vai liberando os valores para a incorporadora dar seguimento ao trabalho. “Pagamos juros proporcionalmente a esta evolução que no caso ia aumentando a cada mês mesmo sem a obra estar evoluindo a vários e vários meses, pagamos juros indevidos muito superiores ao andamento que estava sendo feito na obra”, cita.
Para a mutuária, a Tectus agiu de má fé. “Ela agiu de má fé com seus clientes, cobrando boletos duplicados da entrada. Havia meses em que uma empresa de cobranças entrava em contato enviando os boletos dos próximos meses e na mesma semana a Tectus enviava novos boletos dizendo que aqueles sim eram os certos a serem pagos. Não sabíamos o que estava acontecendo internamente entre eles mas não sabíamos nem para quem deveríamos pagar, Imaginem as confusões com pagamentos duplicados e cobranças indevidas. Eu, em junho deste ano, pedi à empresa para me enviar os boletos dos próximos meses e recebi a mensagem da Tectus que eu deveria fazer um pix para um CPF que haviam me enviado. Uma mensagem totalmente duvidosa e cheia de mal intenção”, argumenta.
A jovem segue: “Uma história cheia de obstáculos, medo, insegurança com a empresa que estava realizando a obra mas o que pensávamos e que a caixa econômica federal iria nos amparar e assegurar a obra pois havíamos pagado seguro para isso, mas aí começa outra batalha com a caixa onde vemos a real situação em que eles não querem acionar o seguro para ter gastos e sim estão na justiça fazendo pedidos para que a empresa tectus volte ao canteiro de obras e que a própria empresa encontre um investidor para concluir e realizar a entrega dos imóveis. Algo que para nós compradores foge do que estava previsto no contrato com a caixa na qual dizia que a caixa econômica federal após os 180 de extensão de obra deveria automaticamente acionar o seguro para contratar uma nova construtora”, relata.
Ela confirma que outras pessoas que também financiaram imóveis no Andaluz seguem pagando prestações e arcando com alugueis, ou morando em casa de parentes. “Independente de quem assuma a obra, queremos que ela seja entregue o mais rápido possível, com a qualidade com a qual compramos”, diz.
Quando entram em contato com a Tectus, a mutuária diz que a empresa alega falência e que não tem dinheiro para arcar com os juros mensais que deveriam pagar a cada contratantes desde maio, quando encerrou o prazo para a entrega das chaves. Ela observa ainda que enquanto o tempo passa, as estruturas que já foram erguidas estão sofrendo com a ação do tempo e se deteriorando. “Cada um de nós tem uma história. Muitos venderam bens para não se afundar em dívidas, seguem pagando aluguel, morado de favor, móveis pagos e guardados. Planos foram adiados”, lamenta ela, informando que durante o protesto do domingo, os mutuários não puderam acessar o local e vislumbraram suas moradias inacabadas pelas frestas dos tapumes. “É tão difícil serem mais humanos? Cumprir o acordo que firmaram através de papéis e mais papéis? A ganância o dinheiro para eles é somente o que importa e esquecem que atrás disso tudo tem inúmeras famílias que estão vivendo um pesadelo”, finaliza.
Processos tramitam na Justiça Federal
A direção da 1ª Vara da Justiça Federal de Carazinho encaminhou email à reportagem com documentos que mostram a tramitação das ações que estão sendo movidas neste caso. Segundo o direitor Elvis Wandscher mais de 70 ações individuais foram ajuizadas contra a Tectus, algumas solicitando o encerramento do contrato e outras pedindo a suspensão da cobrança das prestações. A Caixa Econômica Federal também entrou na Justiça contra a incorporadora.
A ação movida pelo banco é datada de 14 de setembro de 2022, e nela relata abandono da obra e postula a desocupação imediata do empreendimento, alegando, para tal, a ocorrência de danos e depreciação diária nos imóveis . Em análise ao pedido, o Juiz Federal deferiu o pedido liminar e determinou a desocupação no prazo de três dias, com entrega das chaves e substituição da empresa de segurança, determinando, ainda, um amplo levantamento de engenharia para aferir, efetivamente, o atual estágio da obra.
A Tectus, intimada, postulou a realização de audiência conciliatória, a qual foi designada para o dia 26 de setembro, sem prejuízo do prazo de cumprimento da desocupação. Realizada a audiência, foi convencionado entre a CEF e a Tectus a suspensão do cumprimento da ordem de desocupação até o dia 5 de outubro. Transcorrido esse prazo, a CEF postulou nova suspensão da ordem de cumprimento, afirmando a existência de outros empreendimentos sob responsabilidade da Tectus no estado de Santa Catarina e que, em ação similar que tramita na Justiça Federal de Joinville, foi acordada a suspensão da ordem de desocupação pelo prazo de trinta dias, onde restou afirmado que a Tectus procura identificar um terceiro interessado em aportar recursos nas obras e concluí-las com celeridade.
Assim, havendo convenção entre as partes quanto à suspensão do prazo para cumprimento da ordem de desocupação, ao Juiz Federal cumpriu acolher o pedido e deferir a prorrogação do prazo por mais trinta dias. Este prazo finda em 7 de novembro. Se o plano de término não for apresentado neste período, a Caixa será responsável por contratar uma nova empreiteira para terminar as moradias.
Por fim, cumpre afirmar a existência, até o momento, de mais de setenta ações individuais, movidas por compradores dos imóveis contra a Tectus e a CEF, onde postulam desde a suspensão dos pagamentos das parcelas, até a rescisão dos contratos em razão do atraso na entrega dos imóveis. Em razão das diferentes datas de distribuição, algumas delas já foram encaminhadas aos Juízes da 1ª Vara Federal para sentença e outras ainda estão em instrução, com prazos para defesa e provas.
Tectus
Tentamos contar a Tectus Incorporadora através do contato repassada pelos mutuários, que seria um representante da empresa que seguidamente conversa com os contratantes, mas até a publicação desta reportagem não obtivemos resposta.