Os fatos da Revolução Farroupilha
O que motivou o conflito entre farroupilhas e imperiais? Quais foram os personagens desta história? Quais as consequências da guerra? O Portal Carazinho News procurou saber
O 20 de Setembro é especial para os Gaúchos. Época em que anualmente se recorda a Revolução Farroupilha. É importante entender que fatores desencadearam o conflito e o desfecho dele. O Portal Carazinho News ouviu o advogado, historiador e escritor Adari Francisco Ecker, associado da Academia Carazinhense de Letras e Sócio Correspondente da Academia Maçônica do Rio Grande do Sul.
Segundo Ecker,
“desde séculos passados os homens lutavam por liberdade, diminuição de tributos, não obrigação de ninguém prestar serviço além do devido, não prender nenhum homem livre ou sujeitá-lo à prisão, ou privá-lo dos seus bens, ou colocado fora da lei, ou exilá-lo, ou de qualquer modo molestá-lo, sem um julgamento regular em harmonia com a lei, não recusar, nem protelar o direito de qualquer pessoa para obter justiça. O Bill of Rights, é uma Lei aprovada pelo Parlamento Inglês em 1689 – que declara os Direitos dos Cidadãos, como liberdade de expressão, liberdade política e tolerância religiosa. Assim o Rei Perdia seu poder absoluto. Leis Intoleráveis na Inglaterra levou a Revolução Americana, cujo Tratado de Versalhes, em 1783, reconheceu a independência dos Estados Unidos da América, e já em 1787, foi proclamada a primeira Constituição dos EUA. A Revolução Francesa com os ideais iluministas teve seu início em 1789, quando foi destruído o poder absoluto do Rei e consolidada a hegemonia da burguesia. A Revolução Farroupilha teve grande influência do Bill of Rights e do iluminismo europeu, cujo a ideia nuclear é o princípio da razão, na interpretação dos fatos humanos. O iluminismo ocorreu na Europa, mas se centralizou na França, no período de 1715 a 1789 e os temas que se destacaram nos meios filósofos iluministas foram as críticas ao regime absolutista monárquico; reivindicação de maior liberdade para praticar o mercantilismo internacional, e condenação à concentração de poder pelo Estado e pela igreja”, contextualizou.
O conflito desencadeado no sul do Brasil teve motivação política, econômica e social. “Os Rio-grandenses se reportavam em relação ao governo Imperial ao que chamavam de monarquia unitária e centralizadora, que subjugava as províncias causando-lhes enormes prejuízos. No sul se desenvolvia a pecuária para produção do charque, principalmente para alimentar os escravos. Os governantes da província eram designados pela Corte, com sede no Rio de Janeiro, e as reivindicações dos Rio-grandenses não eram atendidas. Constantemente os Rio-grandenses eram chamados para enfrentar as lutas de fronteiras com os castelhanos, o que lhes causava enormes sacrifícios humanos e econômicos. Além disso a criação do Estado Oriental do Uruguai, em 1828, e a retirada dos Fazendeiros brasileiros de lá causou enorme descontentamento. De cada quatro fazendeiros em território uruguaio, três eram brasileiros, diga-se, Rio-grandenses que queixavam-se que o Império intervinha negativamente na economia, prejudicando-os”, sublinhou Ecker, acrescentando que a instabilidade político-administrativa era muito grande e com isso as ideias do Liberalismo e da Republica se espalharam pelas Províncias do Brasil.
Aqui, na Província de Rio Grande de São Pedro do Sul, o Presidente da Antônio Rodrigues Fernandes Braga e o Comandante das Armas Marechal Sebastião Barreto Pereira Pinto não davam ouvidos às reivindicações dos Rio-grandenses. “Não atendiam os seus pleitos e seus clamores por melhorias sobre problemas de toda a ordem, ou seja: administrativa, econômica, tributária e social que os Rio-grandenses enfrentavam. Relaciono alguns desses motivos: Despotismo militar reinante na província; Centralismo do império e o desprezo da Corte pelos rio-grandenses; Influência republicana pelos castelhanos; Criação de vários tributos pelo governo imperial; Imposto fixado em dez mil réis sobre a légua quadrada de pastagem; Impostos sobre a compra de chapeados, esporas e estribos; Impostos sobre o rum; Derrame de moedas falsas na província; Imposto sobre o charque rio-grandense fixado em 25%; Imposto sobre o charque platino fixado em 4%; Perda da Cisplatina (Uruguai), em 1828 – onde de cada quatro fazendeiros, três eram Rio-grandenses; Os rio-grandenses levavam seu gado aos saladeiros platinos; Insatisfação dos rio-grandenses com a criação da Guarda Nacional; Insatisfação com a negativa do governo em assumir os prejuízos causados por uma praga de carrapatos que atacou o gado na região, em 1834; Ideias iluministas, republicanas e federativas.
Os personagens
Adari Francisco Ecker cita alguns líderes farroupilhas que tiveram papel fundamental no contexto da revolução:
General Bento Gonçalves da Silva: Divisa de Bento Gonçalves: “Morrer com honra ou viver com liberdade”. Foi assim descrito pelo historiador Alcy Cheuiche: Era um homem de estatura mediana para alta, esbelto e flexível. O cabelo crespo, de um castanho agrisalhado, coroava-lhe a testa e invadia lhe em amplas suíças, o rosto cuidadosamente escanhoado. Simpático, tinha o sorriso fácil e as maneiras de um cavalheiro. Mas quem já o vira encolerizado sabia-o capaz de enfrentar qualquer inimigo. Com apenas 13 anos de idade já era um espadachim consumado e matara em duelo um ferrabrás de nomeada na vila de Triunfo, onde nascera. Tabajara Ruas descrevendo palavras de Bento Manuel Ribeiro: Bento Gonçalves é descrito como o alicerce que sustentava a Revolução. O Barão de Caxias também reconheceu as qualidades de Bento Gonçalves descrevendo-o como um homem inteligente, justo e um adversário digno: O maior segredo do Barão era estudar a psicologia do seu adversário. O Barão pensa em Bento Gonçalves. Como será realmente o chefe dos Farroupilhas? Não lhe parece ser um gênio militar, mas é experiente e equilibrado. Detesta a violência inútil. É o único oficial republicano que acredita na infantaria e na artilharia. Os demais comandantes como Netto, Canabarro, João Antônio, só sabem liderar com as cargas de cavalaria. A mobilidade e o conhecimento do terreno têm sido o segredo das vitórias dos rebeldes. A dificuldade em obter armamento, a improvisação tática e a indisciplina justificam a maioria de suas derrotas. Mas Bento Gonçalves lhe merece respeito. Parece-lhe um homem leal e cavalheiresco. Constata-se que o Barão de Caxias e Bento Gonçalves embora atuando em campos opostos, mantinham grande respeito mútuo.
Padre João de Santa Bárbara: Deputado eleito às Côrtes de Lisboa, em 1822, eleito a Assembleia Constituinte do Império, membro do clero Rio-grandense que apoiava a Revolução. Teve notável destaque.
José de Paiva Magalhães Calvet, o Pernilongo: Foi um escritor, militar, político, revolucionário e jornalista brasileiro. Presidente da Assembleia Provincial que fez a Revolução. Elemento de grande destaque na organização e motivação da Revolução. Foi denunciado e preso, e depois remetido para o Rio de Janeiro. Ocupou diversos cargos públicos. Faleceu aos 45 anos.
Bento Manuel Ribeiro: Mudou de lado várias vezes. No início da Revolução aderiu ao Império. Em 1837 prendeu Antero, o Presidente Imperial da Província, e aderiu à República. Em 1842 retornou a servir o Império.
Domingos José de Almeida: Foi tropeiro, comerciante de fazendas, empresário de veleiros, armador, charqueador, chefe da Guarda Nacional, juiz de órfãos, líder político, jornalista, historiador, pensador, economista, vereador e finalmente diretor de imprensa de “O POVO” e “O BRADO SUL”. Foi deputado, vice-presidente, presidente do Conselho, ministro da Fazenda e da Justiça e Estrangeiros da República Rio-grandense. Dentre estes serviços destacam-se a criação o e o nome da atual cidade de Uruguaiana, no sentido de Santana do Uruguai. Ligou seu nome a construção da ponte do Passo do Acampamento, no rio Piratini; abertura da estrada dos Fojos, ligando Pelotas-Canguçu pela serra dos Tapes; estabelecimento da Colônia de São Lourenço em 1857; desobstrução do canal de São Gonçalo para a navegação, além de gravar seu nome na história naval militar brasileira por sua contribuição à navegação mercante a vapor e na navegação militar.
Marciano Pereira Ribeiro: Formado em medicina em Edimburgo, na Escócia. Foi deputado provincial eleito na primeira Legislatura da Assembleia Provincial do Rio Grande do Sul. Foi 3° vice-presidente da província do Rio Grande do Sul, ao estourar a Revolução Farroupilha, quando Porto Alegre foi dominada pelos Republicanos. Enquanto o presidente da província fugia, e os outros vice-presidentes não eram considerados confiáveis, assumiu como presidente interino. Foi preso em 1836 e enviado ao Rio de Janeiro, de onde fugiu em 1840 e retornou ao Rio Grande do Sul, indo a São Gabriel (RS). Sua saúde já estava abalada, falecendo pouco tempo depois.
José Mariano de Mattos: Engenheiro militar brasileiro. Foi deputado provincial eleito à 1ª Legislatura da Assembleia Provincial. Foi ministro da Guerra e da Marinha, vice-presidente da República e presidente da república interino, em substituição a Bento Gonçalves, de 23 de novembro de 1840 a 14 de março de 1841. Autor do brasão que foi adotado para o Rio Grande do Sul pelos constituintes de 1891. Finda a revolução, foi ajudante-geral do Duque de Caxias durante a guerra contra Oribe e Rosas entre 1851 e 1852. Foi Ministro da Guerra do Império em 1864. Foi o farrapo que chegou mais alto na hierarquia militar do Império, como general, sendo ministro do Conselho Supremo Militar ao falecer. Foi um dos autores do brasão da Bandeira do Rio Grande do Sul.
João Manuel de Lima e Silva: Embora mais moço, era tio do Duque de Caxias. Quando foi destacado para o Rio Grande do Sul em 1828, era Major comandante o 28° Batalhão de Caçadores Alemães. Era republicano, e em 1834, foi denunciado como rebelde. Em 1835 já era Coronel comandante em Porto Alegre. Em dezembro de 1835, assumiu o comando militar dos republicanos sendo promovido a general, o primeiro general do exército farroupilha. Foi fundamental no início da Revolução, pela organização do exército revolucionário. Promoveu o alistamento dos libertos, mestiços errantes e escravos no exército republicano que estava se formando. Venceu inúmeros combates mas numa operação de guerrilha, comandada pelo cabo Imperial Roque Faustino, foi aprisionado em São Luís das Missões, e em 16 de agosto de 1837 foi assassinado. Seu corpo depois foi exumado e sepultado com toda a pompa em Caçapava do Sul. Depois seu túmulo foi profanado por imperiais e seus ossos espalhados pelos campos.
José Gomes de Vasconcelos Jardim: Foi um fazendeiro, médico-prático e militar brasileiro. Foi na sua Estância das Pedras Brancas, à sombra do Cipreste Farroupilha ainda existente, que foi planejado o ataque à Porto Alegre, dando início ao conflito. Gomes Jardim participou da Revolução Farroupilha desde o início. Depois da prisão de Bento Gonçalves na ilha do Fanfa Gomes Jardim assumiu a presidência da República Rio-Grandense interinamente. Foi em sua casa que faleceu o General Bento Gonçalves, dois anos depois de firmada a paz. A sua casa foi tombada em 30 de novembro de 1994 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Rio Grande do Sul.
Antônio de Souza Netto: Foi um dos primeiros que Bento Gonçalves contou para fazer a revolução e foi dos últimos que dela se retirou. Quando iniciou a Revolução Neto era o Comandante do Corpo da Guarda Nacional do Piratini, e transformou-o em Brigada Liberal, que recebeu o reforço do Corpo de Lanceiros Negros. Era a segunda figura militar mais importante, depois de seu grande amigo, o general Bento Gonçalves. Participou da Revolução no posto de General, graças ao seu valor e sua liderança. Lutou do primeiro ao último dia, até que fosse firmada a Paz de Poncho Verde, a qual referendou, mas, insatisfeito com o resultado, foi morar no Uruguai. Exímio cavaleiro, liderava pessoalmente o exército durante os combates. E no Seival, em 10 de setembro de 1836, obteve o maior feito das armas republicanas contra os imperiais, e no dia seguinte Netto proclamou a República Rio-Grandense. Ainda desempenhou funções interinas de Comandante-em-Chefe do Exército Republicano enquanto Bento Gonçalves esteve preso na Fortaleza de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, e depois, no Forte do Mar, na Bahia. Com o retorno de Bento, este reassumiu a liderança da Revolução e as funções de Chefe do Estado-Maior do Exército Republicano. Porém, Bento Gonçalves designou-o como seu braço direito no comando do exército republicano. Após firmar o acordo de Paz com os Imperiais em 1845, Netto retirou-se do Rio Grande do Sul, juntamente com os soldados negros que lutaram sob o seu comando. Radicou-se no Uruguai como estancieiro. Casou-se aos 57 anos, em Paissandu, no final de 1860.
Teixeira Nunes: O Coronel Teixeira Nunes foi comandante do Corpo de Lanceiros Negros do exército Farrapo. Foi considerado o maior lanceiro Farrapo. Seu maior feito estratégico foi derrotar, em Santa Vitória uma Divisão Paulista enviada para lutar contra a Revolução. A Teixeira Nunes coube, em 26 de novembro de 1844, a última reação armada da República Rio-Grandense, que custou-lhe a vida, após a memorável e comovente reação junto com seus lanceiros negros na surpresa de Porongos, doze dias antes. O Tenente farrapo Manoel Alves Caldeira, seu comandado como porta-bandeira, assim descreve a morte de Teixeira Nunes: Por ordem de Canabarro, após Porongos, Teixeira Nunes foi acampar no arroio Chasqueiro. Aí foi procurá-lo o Coronel Chico Pedro em 26 de novembro de 1844. Chico Pedro marchava pela estrada real em direção do passo onde se achava Teixeira Nunes. Chico Pedro ou Moringue carregou sobre a pequena força de Teixeira Nunes que não podendo suportar as cargas foi derrotada e perseguida de morte em morte. O cavalo de Teixeira Nunes foi boleado (atingido por boleadeiras) e assim mesmo Teixeira Nunes a pé continuou se defendendo com sua lança. Mas foi também boleado com a sua célebre lança. E não podendo mais manejá-la, foi rodeado pelos imperiais. Um deles deu um tiro em uma coxa. Nesta ocasião chegava junto a ele Chico Pedro ao qual disse – Coronel não me deixa matar. Chico Pedro seguiu e virando a cara para o lado disse: – Não matem o homem. Teixeira tinha feito um sinal de socorro e morreu. Sobre os lanceiros Farrapos Garibaldi assim os descreveu: Eu vi batalhas mais disputadas, mas nunca vi, em nenhuma parte, homens mais valentes, nem lanceiros mais brilhantes que os da Cavalaria Rio-Grandense.
David Canabarro: Militar que teve importante papel na liderança de tropas dos farrapos e foi um dos que proclamaram a República Juliana, em 1840. Com a renúncia de Bento Gonçalves firmou a paz com os imperiais.
Giuseppe Garibaldi: Italiano conhecido por seu envolvimento com revoluções aqui no Brasil. Mas teve envolvimento político militar também na Argentina e no Uruguai, e também na Europa, principalmente na Itália onde lutou pela unificação. Uniu-se com Canabarro na conquista de Laguna e na proclamação da República Juliana.
David Canabarro: Firmou a paz com os imperiais, mas pesa sobre ele a traição de Porongos.
Onofre Pires da Silveira Canto: Foi usado por Antônio Vicente da Fontoura e demais líderes da oposição à Bento Gonçalves. Em função disso morreu em consequência de um ferimento causado por Bento Gonçalves em duelo de espadas.
Coronel João Antônio da Silveira: Comandou os Republicanos no combate de Porongos (Santa Bárbara do Sul), vencendo os imperiais.
Imperiais
Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias: É considerado “O Pacificador” da Guerra dos Farrapos. Durante a regência que governou o Brasil vigorou a minoridade de Pedro II. O império enfrentou várias revoltas por todo o país. Em muitas delas Caxias interviu pacificando-as. Como recompensa foi elevado a nobre, tornando-se em sucessão barão, conde, marquês e, por fim, a única pessoa a receber um título de duque durante o reinado de Pedro II.
O Tenente-Coronel João da Silva Tavares: Era o Comandante da Fronteira do Rio Grande.
Marechal Sebastião Barreto: Era o Comandante das Armas da Província.
Francisco Pedro Brusque de Abreu (Chico Pedro ou Moringue): Comandava a Ala Esquerda do Exército Imperial de Caxias. Foi o mais competente guerrilheiro legalista e o terror dos Farrapos, por suas táticas que resultavam quase sempre em surpresa.
Foram importantes ainda Major Manuel Marques de Sousa, Marechal João de Deus Mena Barreto, Visconde de São Gabriel, John Pascoe Grenfell, Coronel Gabriel Gomes Lisboa,
Coronel Francisco Xavier da Cunha, Marechal-de-Campo Antônio Elzeário de Miranda e Brito, Bonifácio Isaias Calderón, Coronel José Gomes Portinho, Capitão-de-Mar-e-Guerra Frederico Mariath e Tenente-Coronel José Fernandes dos Santos Pereira
Os fatos mais relevantes da Revolução
A pedido do Portal Carazinho News, Adari Francisco Ecker enumerou alguns fatos importantes do conflito:
A primeira Assembleia Provincial (Assembleia Legislativa)
Em 22 de abril de 1835 foi Instalada a primeira Assembleia Provincial sob a presidência de Marciano Pereira Ribeiro que, ao abrir os trabalhos deferiu a palavra ao Presidente da Província, Antônio Rodrigues Fernandes Braga, que proferiu um discurso ácido, criticando a atuação do Partido Farroupilha e denunciando seus principais líderes, em especial Bento Gonçalves, Magalhães Calvet, Padre Chagas e Marciano Pereira de estarem conspirando com Juan Antônio Lavalleja y de La Torre, militar e político uruguaio, com o objetivo de separar a Província de Rio Grande de São Pedro do Sul do Estado Brasileiro. Tal discurso criou grande animosidade e colocou a província em alvoroço. A inabilidade do presidente Fernandes Braga em sua primeira fala à Assembleia Provincial acarretou desde logo um clima de confronto e tensões. Estes acontecimentos fizeram eclodir, no dia 20 de setembro de 1835, a Revolução Farroupilha, que tinha como líder civil e militar Bento Gonçalves da Silva. No dia 19 de setembro de 1835, os Farroupilhas acamparam no Morro da Glória, em Porto Alegre. À noite, ocorreu o primeiro combate na ponte da Azenha. No dia 20 de setembro, os Farroupilhas entram triunfantes em Porto Alegre. Não encontraram oposição, porque o Presidente Fernandes Braga e as demais autoridades tinham abandonado a capital na noite anterior e fugiram de navio para Rio Grande. O objetivo inicial da revolução era substituir o Presidente e Comandante de Armas da Província, mas a Regência do império não cedeu aos apelos dos Rio-grandenses e então teve início o conflito armado. Desiludidos com a possibilidade de terem suas reivindicações atendidas e de uma reconciliação com o Império do Brasil, os Farroupilhas iniciaram o conflito armado.
Prisão dos Farroupilhas na Ilha do Fanfa
Ao clarear do dia 4 de outubro de 1836, Bento Manuel desencadeou o ataque, empregando dois grupamentos sob o comando dos Coronéis Gabriel Gomes Lisboa e Francisco Xavier da Cunha, com apoio da artilharia naval, que tomaram logo o morro e a ilha do Fanfa, prendendo a maioria dos líderes militares da revolução. Bento Gonçalves reconheceu que a derrota era inevitável, julgou que seriam inúteis mais sacrifícios e acabou rendendo-se, sendo levado para Porto Alegre, transferido depois para a Fortaleza de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, e encarcerado no Forte do Mar, em Salvador, Bahia, donde conseguiu escapar em 10 de setembro de 1837.
Os farroupilhas conclamaram as Câmaras Municipais da província para que aderissem à República Rio-Grandense, desligando-se da política e da administração do Império, sob a forma e sistema republicano e federativo. Em 1º de agosto de 1837 Cruz Alta era a quarta Câmara Municipal a aderir aos republicanos, juntamente com Piratini, Jaguarão e Alegrete. (AHRGS, 1983, V. 6, CV 3206, P 20-21). Consta que Câmara Municipal de Porto Alegre também aderiu e em sessão indicou Bento Gonçalves para presidir a Província, mas logo em seguida retrocedeu. Os republicanos também fizeram tal pedido para às demais províncias do Império.
Proclamação da República Rio-Grandense
A República Rio-Grandense foi proclamada no dia 11 de setembro de 1836, por Antônio de Souza Neto, que no dia anterior vencera as forças imperiais de Silva Tavares em memorável batalha que ficou conhecida como a Batalha do Seival. A partir daí teve início a “Guerra dos Farrapos, a República Rio-grandense versus o Império do Brasil.
A liderança de Bento Gonçalves da Silva
E sobre Bento Gonçalves, assim Francisco de Sá Brito, Ministro da Justiça da República Rio-Grandense, deixou registrado: “Devo aqui fazer justiça ao nobre caráter e suma bondade do chefe da revolução. Se estudos regulares ornassem o seu espírito, o Sr. Bento Gonçalves, que para eles tinham imensa aptidão, com seu caráter tão enérgico quanto generoso e vistas elevadas e perspicazes, seria homem para grandes, gloriosos e proveitosos feitos, e não promoveria uma revolução calamitosa […]. (BRITO, 1950, p. 119).”
Corroborando, em 11 de março de 1843, Bento Gonçalves reafirmou os princípios que os Farroupilhas defendiam:
Uma república federal baseada em sólidos princípios de justiça, e reciproca conveniência uniria hoje todas as províncias irmãs, tornando mais forte e respeitável a Nação Brasileira, se o interesse individual, e se a traição não violasse o espírito público. (BRITO, 1950, p. 9).
A propósito, a obra O Gaúcho, de José de Alencar, reporta-se sobre a Revolução Farroupilha destacando a figura de Bento Gonçalves da seguinte forma: “Essa obra foi caminho para a idealização da figura de Bento Gonçalves. Ele representa a alma do pampa, símbolo da coragem, da honra, da justiça e da virtude. Com isso mantém intacta a dupla face do mito: o gaúcho é um ser heroico, e Bento Gonçalves, sua encarnação rediviva no plano histórico. (DUTRA apud CHAVES, 1985, p. 20).
Capitais Farroupilhas
Piratini, de 10/11/1836 a 14/02/1839;
Caçapava, de14/02/1839 a 22/03/1840;
Alegrete, de 22/03/1840 ao término da Revolução.
“Estas mudanças das capitais da República Rio-Grandense foram motivadas pela pressão militar exercida pelo exército imperial”, destaca o historiador.
O tratado de paz entre farrapos e imperiais
Consta que o Barão de Caxias adaptou as disposições propostas por Dom Pedro II
em 1844, em um decreto que tratava das negociações de paz. Neste decreto o Imperador afirmava: “Recorrendo à minha imperial clemência aqueles de meus súditos que, iludidos e desvairados, tem sustentado na Província de São Pedro do Rio Grande, uma causa atentatória da Constituição Política do Estado, dos decretos de minha Imperial Coroa firmados na mesma Constituição e reprovado pela nação inteira; que real e valorosamente se tem empenhado em debelá-la; e não sendo compatível com os sentimentos do meu coração o negar-lhes a paternal proteção a que os ditos meus súditos se acolhem arrependidos: Hei por bem conceder a todos, e a cada um deles, plena e absoluta anistia, para que nem judicialmente, nem por outra qualquer maneira, possam ser perseguidos ou de alguma sorte inquietados pelos atos que houverem praticado até a publicação deste decreto nas diversas povoações da Província. (AHRGS, v. 7, Coleção Alfredo Varela, documento 1822 p. 87).”
E depois de intensas negociações dos líderes farrapos, conforme Ecker, estes enviaram Antônio Vicente da Fontoura ao Rio de Janeiro para tratar da paz com os imperiais. E finalmente chegaram a um acordo, por meio do indulto e da anistia concedida por Dom Pedro II aos revoltosos, a paz foi formalizada por meio de uma declaração, pondo fim a Guerra dos Farrapos. O documento que consagrou a paz chama-se “Convenção de Paz entre o Brasil e os Republicanos”. Os farrapos assinaram-no em 28 de fevereiro de 1845, no Poncho Verde, em Dom Pedrito, sendo que as cláusulas foram assim redigidas:
Art. 1° – Fica nomeado Presidente da Província o indivíduo que for indicado
pelos republicanos.
Art. 2° – Pleno e inteiro esquecimento de todos os atos praticados pelos republicanos
durante a luta, sem ser, em nenhum caso, permitida a instauração de
processos contra eles, nem mesmo para reivindicação de interesses privados.
Art. 3° – Dar-se-á pronta liberdade a todos os prisioneiros e serão estes, às custas
do Governo Imperial, transportados ao seio de suas famílias, inclusive os que
estejam como praça no Exército ou na Armada.
Art. 4° – Fica garantida a Dívida Pública, segundo o quadro que dela se apresente,
em um prazo preventório.
Art. 5° – Serão revalidados os atos civis das autoridades republicanas, sempre
que nestes se observem as leis vigentes.
Art. 6° – Serão revalidados os atos do Vigário Apostólico.
Art. 7° – Está garantida pelo Governo Imperial a liberdade dos escravos que
tenham servido nas fileiras republicanas, ou nelas existam.
Art. 8° – Os oficiais republicanos não serão constrangidos a serviço militar algum;
e quando, espontaneamente, queiram servir, serão admitidos em seus postos.
Art. 9° – Os soldados republicanos ficam dispensados do recrutamento.
Art. 10° – Só os Generais deixam de ser admitidos em seus postos, porém, em
tudo mais, gozarão da imunidade concedida aos oficiais.
Art. 11° – O direito de propriedade é garantido em toda a plenitude.
Art. 12° – Ficam perdoados os desertores do Exército Imperial.
(AHRGS, 1983, V. 7, CV 3731, p. 31).
“Consta que, no dia 1º de março de 1845, o Barão de Caxias assinou o tal acordo de paz, porém, há historiadores que dizem que o Barão não assinou-o, pois se assim o fizesse estaria admitindo a existência de uma república dentro do Império do Brasil. A Convenção de Paz foi conduzida pelo Barão de Caxias e por David Canabarro e foi dada pouca publicidade a mesma”, analisou Ecker.
Carazinho nos tempos da revolução
Para Adari Francisco Ecker, na época Jacuyzinho/Carazinho pertencia ao Município de Cruz Alta. “Mas moravam na região de Pinheiro Marcado os três principais líderes Farroupilhas do município de Cruz Alta: Os Capitães José Antônio de Quadros, João Floriano de Quadros e o Alferes Rodrigo Félix Martins. Na época havia poucas Carazinho, a sede da Freguesia que estava sendo formada era em Passo Fundo, onde dois cidadãos exerciam o comercio e mais meia dúzia de moradores. Manoel José das Neves, o primeiro morador; era capitão do Exército Imperial, Adão Schell, alemão, o primeiro imigrante estrangeiro a instalar-se na área urbana da cidade, mas logo que começou o conflito se exilou no Uruguai”, colocou, citando alguns outros nomes importantes da região: Joaquim Fagundes dos Reis; José Antônio de Quadros; João Floriano de Quadros; Rodrigo Félix Martins; Manoel Antônio de Quadros e Manoel Joaquim de Britto. Todos participaram da Revolução Farroupilha e todos tinham ligação com a Guarda Nacional, que acabou formando a base inicial do Exército Farrapo.
Também haviam imperiais em Carazinho e Passo Fundo: Manoel José das Neves; Bernardo Paes de Proença; Manuel de Souza Duarte; Manuel José de Araújo; João da Silva Machado, Barão de Antonina, que embora não residindo na província, tinha enorme influência política na região. “Atanagildo Pinto Martins, com Fazenda em Porongos, Santa Bárbara do Sul, morava em Cruz Alta e era o Presidente da Câmara de Vereadores do município de Cruz Alta. Em 1837 Atanagildo declarou Cruz Alta republicana. Logo depois as tropas Imperiais cercaram a cidade de Cruz Altas e Atanagildo foi obrigado a retroceder. O Alferes Rodrigo Félix Martins era o líder Farroupilha no município de Cruz Alta. Foi encarregado pelo governo republicano de cobrar os tributos no município. Também exerceu a Vereança em cruz Alta. Era o Líder civil e militar, sempre acompanhado dos capitães José Antônio de Quadros e João Floriano de Quadros. Realizaram várias escaramuças contra os imperiais, inclusive, destroçaram a guarda imperial de Passo Fundo e depois perseguiram e prenderam o Cabo Neves que fugia para o mato Castelhano. Fato relevante foi que o Alferes Rodrigo recebeu uma tropa de mulas pertencente a república, as quais foram trazidas da fronteira pelo Major Antônio Vicente da Fontoura, por determinação de Domingos José de Almeida, o Ministro da Fazenda da Republica Rio-grandense. Estas mulas foram invernadas para engordar na região de Não-Me-Toque, e depois de gordas foram vendidas em São Paulo. O objetivo era auferir dinheiro para a causa farroupilha. Daí surgiu o nome da Invernada Não-Me-Toca, que depois deu origem ao nome da Fazenda Não-Me-Toca de Francisco Xavier Martins, filho do Alferes Rodrigo, e mais tarde foi denominado o município de Não-Me-Toque. Conforme registros do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, Domingos José de Almeida, o Ministro da Fazenda da Republica Rio-grandense mantinha com frequência correspondências com o Alferes Rodrigo Félix Martins, o Patriarca de Carazinho”, contou.
Batalha na região – Entre Jacuyzinho/Carazinho e Passo Fundo
O historiador citou também a grande derrota do general Pierre Labatut, mercenário francês a serviço do Império do Brasil ocorreu entre Passo Fundo e Carazinho, no Passo do Herval, Fazenda de Bernardo Paz (nome de rua em Carazinho). A força de Pierre Labatut, com mais de mil e quinhentos homens que foi completamente destroçada pela força do Coronel Portinho, que atacou de surpresa. Pierre Labatut foi levado ao ao conselho de guerra do Império para justificar tal derrota.
Combate de Porongos, Fazenda Santa Bárbara
“Porongos é uma localidade próxima de Santa Bárbara do Sul. Consta que lá, nas cabeceiras do Arroio Porongos, próximo de um capão de mato era a sede da Fazenda Santa Bárbara de Atanagildo Pinto Martins, quando em 06 de julho de 1837, ocorreu uma conferência com líderes farroupilhas da região. Presente na reunião o General Bento Manuel Ribeiro, que ao amanhecer do dia 07, ao sair da residência foi atacado por imperiais, inclusive levou um tiro que o atingiu nas nádegas. Este confronto foi vencido pelos Farroupilhas que estavam com 500 homens e lutaram contra 600 homens do Império”, assinalou.
Compromisso com a liberdade dos negros
“Havia a promessa de liberdade aos negros que lutassem nas colunas farrapas o que passou à história como um marco na luta pela abolição. Documentos demonstram que, ao negociar com o Império, Bento Gonçalves ameaçou o Barão de Caxias: “Se o tratado de paz não assegurar a alforria dos ex-escravos revolucionários, continuaremos a guerra, para que não voltem aos grilhões os negros que há tantos anos lutam pela liberdade da América”. Em 07 de dezembro de 1840, Bento Gonçalves da Silva escreveu uma carta ao Deputado Álvaro Machado sobre os acertos de paz, mas uma de suas insistências era: “A liberdade dos escravos que estão a nosso serviço”. Existem documentos no AHRGS que demonstram que ao tratar da paz com o Império, Bento pediu e conseguiu que o barão de Caxias aceitasse tal exigência, relativa aos revolucionários negros, que acabou ficando consagrada no Art. 7° do acordo de paz: “Art. 7º. Está garantida pelo Governo Imperial a liberdade dos escravos que tenham servido nas fileiras republicanas, ou nelas existam”. (AHRGS, 1983, V. 7, CV 3731, p. 31)”, argumentou Ecker.
Por outro lado, Bento Gonçalves era resistente à liberdade dos negros. “Por isso, o exército Farrapo se dividiu e a oposição à Bento Gonçalves era grande. Bento Gonçalves foi vítima de intrigas políticas e de calúnias. Acusaram-no de ter mandado matar Paulino da Fontoura, mas o caso depois foi descoberto: Paulino estaria envolvido com uma mulher casada, e o seu marido o matou. O Coronel Onofre Pires, seu primo, lhe dirigiu insultos verbais que eram conhecidos de todos, nos acampamentos onde o exército estacionava. Bento, por meio de carta, pediu-lhe a confirmação de tais acusações. Onofre confirmou. Então não restou alternativa a Bento, que pegou sua espada e se dirigiu sozinho, a cavalo, até o acampamento onde se encontrava Onofre Pires da Silveira Canto, e lá o desafiou para um duelo de espadas”, enumerou.
Ainda sobre este tema, Adari Francisco Ecker cita que “Bento Gonçalves da Silva, Domingos José de Almeida, Mariano de Mattos e Antônio de Souza Neto defendiam a criação de uma federação com estados independentes e republicanos, sendo que eram simpáticos à causa da abolição dos escravos. Mas desgostoso com o rumo dos acontecimentos e já doente, logo depois do duelo com seu primo Onofre Pires, e também, em função da oposição que lhe faziam Antônio Vicente da Fontoura, Canabarro, Padre Chagas e outros, em 03 de fevereiro de 1843, Bento Gonçalves renunciou à Presidência da República Rio-grandense. Vitor Amaral, estudante de História na ULBRA/Canoas, presidente do Clube Aldeia Livre, coordenador no Instituto Atlantos e do Students For Liberty Brasil assim descreve o caso da Traição de Canabarro e o fim da Guerra dos Farrapos: Nos primeiros anos da guerra se sucedeu uma série de vitórias farroupilhas sobre o império brasileiro É inegável que isso foi possível pela bravura dos leais lanceiros negros. Contudo, se aproximando do fim, houve um declínio desgastante para os farrapos e isso fez com que David Canabarro (que havia tomado a frente dos revoltosos) iniciasse uma série de tratativas com o Barão de Caxias (posteriormente, Duque), que representava o Exército imperial. Em 1844, Canabarro troca cartas com Caxias, planejando o que fazer com os negros que permaneceriam como cativos (pois o império não aceitou a libertação. Na madrugada de 14 de Novembro, aconteceu o Massacre de Porongos (Pinheiro Machado-RS), que culminou na aniquilação dos Lanceiros Negros (que foram desarmados a pedido de Canabarro) pelos imperiais. A carta, reconhecida como autêntica pelo Arquivo Histórico do RS, dizia para Coronel Francisco Pedro de Abreu (Moringue) encontrar com as tropas de David Canabarro e que este já estava avisado. Nela, ainda havia um apelo: “[…] Poupar sangue brasileiro o mais possível, particularmente de homens brancos da província, ou índios, pois você bem sabe que essas pobres criaturas ainda nos podem ser úteis no futuro”. (Coleção Varela, encontra-se no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, 1983, v. 7, p. 30-31)”, observou.
Essa, até então, foi a última batalha que se tem conhecimento. “Em fevereiro de 1845 foi assinado o tratado de Ponche verde, que garantia os pedidos feitos pelos farroupilhas: aumentou em 25% os impostos sobre o charque Argentino e Uruguaio, porém não garantiu a libertação dos escravizados, que ficaram sob domínio do Império e ainda fez com que a província voltasse a ser da coroa. Os acordos tratados por David Canabarro e Duque de Caxias, causaram indignação de outras lideranças farroupilhas, como Bento Gonçalves e Souza Neto, que não queriam que o conflito acabado assim: por eles a guerra teria seguido até que fossem reconhecidos como independentes. Bento Gonçalves criticou veementemente a atuação de Canabarro na surpresa de Porongos, morro próximo à Pinheiro Machado, escrevendo: “Foi com a maior dor que recebi a notícia da surpresa que sofreram o dia 14 deste! Quem tal coisa esperaria… por uma massa de infantaria cujos caminhos indispensáveis por onde tinha de avançar eram tão visíveis que só poderiam ser ignorados por quem não quisesse ver nem ouvir, ou por quem só quisesse ouvir a traidores talvez comprados por o inimigo… Perder batalhas é dos capitães, e ninguém pode estar livre disso; mas dirigir uma massa e prepará-la para sofrer uma surpresa semelhante é ser desfeita sem a menor resistência, é só dá incapacidade, e da inaptidão e covardia do homem que assim se conduz…”, salientou o historiador.
O Tenente Farrapo Manuel Alves da Silva Caldeira, que havia servido em um dos Corpos de Lanceiros Negros, ainda vivo no final do século XIX, escreveu uma carta ao jornalista pelotense Alfredo Ferreira Rodrigues sustentando que Canabarro havia entregado os soldados negros para Moringue. Sua carta foi publicada na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, em 1927. Caldeira enfatizou ainda, que não foi surpresa, mas uma traição que Canabarro fez. Caldeiras também enviou correspondência, em 1º. de dezembro de 1898, ao historiador Alfredo Varela confirmando a traição. (AHRS, V. 5. 1981, CV-3102, p. 365).
As conquistas
Para Ecker, podemos resumir as conquistas dos Farrapos por meio do manifesto de Bento Gonçalves por ocasião de sua renuncia à presidência da Repúiblica Rio-grandense assim descrita: “Rio-Grandense! A Monarquia Brasileira toca a meta de sua precária existência! A Liberdade está salva, e a nossa Independência pública firmada! O espírito público em nosso País pode ter sido algumas vezes comprimido; porém, animado como se acha por inspirações divinas, jamais será extinto. — Minhas enfermidades, que com o tempo mais se agravam, não permitem que eu continue a ter sobre meus ombros a responsabilidade inerente à primeiras magistratura do Estado, de que hoje faço entrega ao benemérito e ínclito Rio-Grandense, o Cidadão José Gomes de Vasconcelos Jardim; a esse mesmo patriota que já vos presidiu nas crises mais arriscadas por que tem atravessado a nossa Revolução; é ele, pois, o vosso legítimo Presidente, segundo a ata da política emancipação de nossa Pátria. Rio-Grandenses! Reuni-vos em torno de tão virtuoso patriota, desse nosso Fábio, que pela segunda vez deixa o arado para dirigir a nau do Estado ao porto em que nos aguarda a imortal glória, e por felicidade para nós e para nossos vindouros um laço fraterno ligue a todos os Continentinos, e a salvação da Pátria seja seu Norte. E não cuideis que exortando-vos para que fizésseis ao País os serviços que ele está reclamando de vós, me retiro à vida privada ou me entrego a um repreensível ócio; pelo contrário, na qualidade de soldado me vereis combater ao vosso lado contra esses mercenários que ousam talar nossos campos, e compartilhar todas as vossas fadigas enquanto minhas forças o consentirem, e até o último alento de minha vida. Viva o Soberano Povo Rio-Grandense! Viva o Exmo. Presidente da República! Vivam todos os Americanos Livres! Estância do Contrato, 4 de agosto de 1843. Bento Gonçalves da Silva. (BENTO, 1992, p. 74). Com a renúncia de Bento Gonçalves assumiu a Presidência o seu primo José de Vasconcelos Gomes Jardim.
Sobre a paz com os imperiais, por estar doente, Bento Gonçalves indicou o Tenente-Coronel Ismael Soares da Silva para representá-lo na reunião que fizeram os líderes Farroupilhas quando deliberaram sobre a paz. A reunião aconteceu no dia 22 de fevereiro de 1845, na estância de Antônio de Souza Netto, em Bagé, e foi presidida pelo General David Canabarro.
As lições da revolução
Adari Francisco Ecker destaca que a Revolução Farroupilha deixou lições memoráveis que orgulham o povo gaúcho. “Entre elas podemos destacar: a altivez do comportamento dos Rio-Grandenses; a busca por liberdade e independência da Província e de Santa Catarina; a dedicação e o sacrifício de militares e de civis; a confiança na busca dos objetivos e a transparência nas decisões dos envolvidos; o exemplo deixado para as futuras gerações; a luta pela emancipação dos escravos, por uma parte dos Farrapos, liderados por Bento Gonçalves; a luta pela implantação da República e Federação”, concluiu.